domingo, 24 de fevereiro de 2008

ESCAPE

Baudelaire referia-se ao poeta no seu soneto O Albatroz como um viajante alado exilado na terra, que estava encarcerado nos limites físicos da sua efémera existência de simples mortal: suas asas de gigante impedem-no de andar. O Homem foi, é e será sempre um amaldiçoado, um títere, vítima da sua própria condição, infinita e eternamente desprezível perante a vastidão do Sonho e da Imaginação. Apenas somos senhores dos nossos actos pois não detemos hegemonia sobre mais nada. Desde o momento em que mergulhamos na realidade tentacular deste mundo, que o Tempo não cessa de nos açoitar impelindo-nos de uma forma implacável para a frente, sempre para a frente até ao derradeiro momento. Cada dia que passa é menos um dia que nos separa do nosso inevitável abraço com a Senhora Morte. Somos ao mesmo tempo seus filhos e seus amantes. Por isso só nos resta viver, aproveitar essa dádiva chamada Vida, pois uma vez que estamos encurralados na ordem natural das coisas, num corpo que vai envelhecendo triturado pela eterna sucessão dos momentos, só nos resta rebentar com os grilhões que nos sufocam neste tédio infinito que toma as proporções da Eternidade. A tão almejada evasão só será possível através da Imaginação, da pura viagem espiritual através de incontáveis mundos, destruindo quimeras e atingindo utopias. Mas também tenho de admitir que ao escrever estas palavras sou, além de um sonhador, um insaciável corroído por uma fútil existência que sucumbe aos dias que se arrastam para um futuro que me esmaga com as suas incertezas e divagações. Em cada um desses dias formulo questões que nunca terão resposta. Em suma, vivo num mundo consumido por um massacre infernal em que os homens se bombardeiam perpetuamente num turbilhão em chamas de dor e tormento. E para quê? Posso então perguntar o que é que eu estou aqui a fazer? Querendo coisas que nem sequer imagino existirem? Eu não pedi para nascer! Eu não pedi para morrer! Como seria se todos nós não estivéssemos circunscritos a estas pragas existenciais que alguém nos incumbiu de partilhar com a realidade. Estamos fundidos às grades da nossa própria jaula! Só nos resta então satisfazermo-nos com o que a Ciência nos vem legando? Engolir verdades inabaláveis de hoje que amanhã não passam de diáfanas miragens? Não, isso não é para mim. Deixem-me fugir, gritar, sonhar! Deixem a minha sombra voar através das nuvens! Já que não posso existir no meu mundo pelo menos eu vivo nele! Àqueles que compartilham esta maldição comigo, deixo-vos com as palavras enlouquecidas de Artaud: Ninguém jamais escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu, inventou, a não ser de facto para fugir do Inferno



Pedro De Kastro, Lisboa 1997

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